A contagem do Inep considera formados no ensino médio em 2023. Candidatos devem cuidar da estrutura da redação, treinar argumentos e repertório sociocultural.
Em meio aos 2,7 milhões de participantes que realizaram o Enem este ano, apenas 60 alcançaram a pontuação máxima na redação. E destes, somente quatro alunos de escolas públicas obtiveram esse feito. Quais estratégias eles utilizaram para obter esse resultado tão expressivo?
Os desafios enfrentados pelos estudantes no Exame Nacional do Ensino Médio são diversos, mas é possível buscar alternativas para obter bons resultados. Preparação, foco e dedicação são fundamentais para alcançar o tão almejado sucesso no Enem.
Preparação para o Enem: Estratégias e Histórias de Medalhistas
É evidente que a melhoria nos colégios estaduais e federais é fundamental – investimentos em infraestrutura, aumento salarial para os professores, formação docente de qualidade e redução no número de alunos por turma são essenciais. Mas como se preparar individualmente para a redação do Enem e alcançar a sonhada nota ‘mil’?
🎖️Abaixo, confira as estratégias dos quatro medalhistas, conheça mais sobre suas histórias e leia os textos completos que escreveram no Exame Nacional do Ensino Médio. De acordo com critérios do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), apenas os alunos que:
- concluíram o ensino médio em 2023;
- e cursaram ao menos um dos três anos dessa etapa na rede pública.
1- Estrutura da Redação do Enem é Fundamental
Gabriela Gurgel, de Natal, fez o ensino médio no Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN) e participou do Enem como treineira em 2019, 2021 e 2022. Com anos de preparação, ela conquistou um bom desempenho na edição de 2023, garantindo sua vaga na universidade.
‘Eu escrevia uma redação por semana e enviava para uma professora da escola para correção. Ela me sugeriu alguns temas; outros eu pesquisava’, compartilha Gabriela, de 20 anos.
‘Uma dica importante para os candidatos? Não se esqueçam da estrutura básica da redação do Enem.
Eu revisava essa parte teórica em vídeos no Youtube.’ 📝Resumo da Estrutura:
- Texto dissertativo-argumentativo, em linguagem formal (argumentar para defender um ponto de vista).
- Introdução: apresentação da tese e contextualização do problema.
- Desenvolvimento: ao menos dois argumentos que sustentem a tese (com exemplos e referências culturais, como livros, filmes ou filósofos).
- Conclusão: proposta de intervenção completa (com ação, agente, meio de execução, finalidade e detalhes), visando solucionar o problema proposto na prova.
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2- Repertório Sociocultural: Exemplos são Cruciais
Na argumentação, é essencial demonstrar repertório sociocultural. Ou seja, é importante citar referências que reforcem os argumentos. Amanda Teixeira, de 18 anos, obteve nota máxima na redação do Enem ao utilizar essas citações.
Ela aprendeu essa dica em um cursinho online de redação enquanto concluía o ensino médio em um colégio estadual em Muqui (ES).
‘Fui para a prova com várias ideias em mente de livros ou músicas que poderiam se encaixar em vários temas.
Optei por citar Lévi-Strauss [antropólogo francês – 1908-2009] e Thomas Hobbes [filósofo e teórico político inglês – 1588-1679)’, revela.
Amanda destaca dois diferenciais em sua preparação:
- o curso online, que proporcionou conhecimentos específicos sobre redação;
- e a estrutura de sua escola pública, que oferecia aulas de reforço em português e matemática.
‘É uma escola bem administrada, que sabe aproveitar os recursos disponíveis e lidar com os desafios que surgem. Além disso, minha cidade não enfrenta problemas comuns em grandes metrópoles, como a criminalidade.
Isso influencia no funcionamento das escolas’, ressalta Amanda.
3- Foco em uma Estratégia: Simplicidade é Importante
Amanda também sugere uma dica: evite se dispersar em busca de mais informações.
‘Se for fazer um curso, foque no curso.
Não adianta seguir vários criadores de conteúdo, pois acabarão abordando assuntos que você ainda não estudou. Isso confunde a mente, entende? O excesso de informação atrapalha’, aconselha.
4- Leitura de Redações Nota Mil de Outros Anos
Maria Luiza Januzzi, de Valença (RJ), foi a terceira ex-aluna de escola pública a conquistar nota máxima na redação do Enem 2023.
Ela destaca que o colégio estadual em que estudou oferecia um suporte diferenciado: fora do horário regular, os alunos podiam tirar dúvidas ou aprimorar seus conhecimentos com os professores.
‘Era algo muito distinto em relação a outras escolas da região. Os professores estavam sempre dispostos a nos auxiliar’, relembra. ‘Houve cortes nas verbas e fechamento de turmas.
Se houvesse mais apoio, mais oportunidades surgiriam [para os alunos].’
Para melhorar seu desempenho na redação, Maria Luiza criou uma rotina de estudos em casa. Após suas atividades escolares à tarde e cuidar de seu irmão de 2 anos, ela se dedicava às videoaulas e treinava escrita à noite.
‘A diferença foi buscar redações ‘nota mil’ de temas específicos e comparar com o que eu havia escrito.
Assim, fui aprendendo com meus erros.’
5- Prática e Atenção aos Erros cometidos
Matheus Barros, de 17 anos, integra o grupo dos ex-alunos de escola pública no ranking do Inep, porém estudou apenas o primeiro ano do ensino médio em uma instituição estadual.
‘Mudei para uma escola privada no meio [da etapa], pois tenho interesse em medicina e precisava de um ensino mais qualificado’, explica o jovem de Paraíso do Tocantins (TO). Sua estratégia de estudo resultou em um salto de 780 para 1.000 pontos na redação, de um ano para outro.
‘Passava a maior parte do dia na escola.
Fora dali, fazia exercícios em casa. E isso é crucial: aproveitar esse tempo de estudo para praticar e corrigir seus próprios erros. Foi essa prática que me ajudou a melhorar bastante meu desempenho’, destaca ele.
Amanda também adotou esse método. ‘É vital ter alguém que aponte suas falhas.
Eu sempre cometia erros na competência 3, por inserir argumentos e não desenvolvê-los. Mas ao longo do tempo, consegui evoluir’, relata.
6- Equilíbrio entre Estudos e Vida Pessoal
O percurso pelo Enem e vestibulares também é um desafio emocional ao lidar com a ansiedade. ‘É uma rotina estressante, com um medo imenso de não ser aprovada na faculdade.
É um cotidiano de privações: deixamos de sair, de acompanhar nossas séries’, descreve Gabriela. Amanda também enfrentou esse período tenso e, por isso, recomenda aos futuros candidatos do Enem que tentem ‘levar mais leveza’. Ela buscou apoio em seus pais, trabalhadores rurais de Muqui.
‘É preciso estudar de forma estratégica e não abrir mão das coisas mais importantes da vida, como estar com a família e os amigos’, aconselha. ‘Não é saudável viver apenas focado nos estudos; é fundamental relaxar a mente.’ Encontrar o equilíbrio não é tarefa fácil.
Maria Luiza, também do grupo dos nota mil, admite a dificuldade de conciliar os estudos com as obrigações diárias, e ainda reservar momentos de lazer.
‘Mas é gratificante. Serei a primeira pessoa da minha família a ingressar na faculdade. Estou feliz em poder mudar essa realidade’, conta ela, que almeja uma vaga em medicina.
Textos Completos das Redações
A seguir, leia as redações nota mil de Gabriela, Amanda, Maria Luiza e Matheus:
✏️Gabriela Gurgel, de Natal (RN)
A teorista contemporânea Hannah Arendt observa, por meio do conceito de ‘banalidade do mal’, a inclinação presente nas sociedades para a naturalização dos problemas coletivos.
Nesse contexto, na realidade atual do Brasil, a teoria mencionada se torna evidente, especialmente ao analisar os desafios para lidar com a invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pelas mulheres. Assim, é crucial examinar os principais impulsionadores dessa questão: o machismo estrutural e a negligência estatal.
Diante desse cenário, a persistência de atitudes preconceituosas em relação ao público feminino intensifica a diminuição de valor das tarefas relacionadas ao cuidado. Nesse sentido, durante o Período Colonial, houve a formação da estrutura familiar brasileira sob valores patriarcais, limitando o papel social da mulher à reprodução e aos afazeres domésticos.
Apesar do tempo transcorrido, essas convenções ainda se fazem presentes no país, como evidenciado pelos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que indicam que, em 2019, as mulheres dedicavam mais de duas vezes o tempo semanal que os homens às atividades de cuidado.
Nesse contexto, atividades desse tipo, como o cuidado com crianças, idosos e pessoas com deficiência, além das demandas domésticas, são frequentemente vistas como uma obrigação das mulheres, porém recebem um reconhecimento e importância inferiores.
Além disso, muitas dessas tarefas são mal remuneradas ou até mesmo não remuneradas, o que é preocupante em um país que garante, em sua Constituição de 1988, o direito à igualdade no trabalho. Ademais, é imprescindível evidenciar a inércia do Estado brasileiro frente à tentativa de invisibilização que afeta essa problemática.
Nesse sentido, o sociólogo polonês Zigmunt Bauman categoriza como ‘Instituições Zumbis’ entidades que mantêm suas estruturas ativas, porém não cumprem adequadamente suas funções sociais.
Dessa forma, o aparato estatal brasileiro pode ser interpretado sob a ótica de Bauman, uma vez que o trabalho de cuidado realizado pelas mulheres decorre, em muitos contextos, da interseção das desigualdades socioeconômicas e étnicas.
Dessa maneira, enquanto não forem combatidas as circunstâncias precárias enfrentadas por tantas meninas e mulheres, especialmente aquelas em situação de pobreza e vulnerabilidade, elas continuarão submetidas a um trabalho de cuidado desprovido do suporte estatal adequado. Portanto, ações para enfrentar as adversidades dessa temática tornam-se prementes.
Sendo assim, o Ministério do Trabalho e Emprego deve identificar as principais áreas de presença do trabalho de cuidado, por meio de profissionais do IBGE, em colaboração com o Poder Executivo, que realizarão visitas às residências onde as mulheres realizam suas atividades e providenciarão apoio financeiro para auxiliá-las a garantir sua dignidade como cidadãs.
Essa iniciativa poderá proporcionar melhores condições de vida para o público feminino, contribuindo para enfraquecer o machismo e promover a equidade.
✏️Maria Luiza Januzzi, de Valença (RJ)
De acordo com a filósofa brasileira Djamila Ribeiro, o primeiro passo para resolver um problema é retirá-lo da invisibilidade.
No entanto, na conjuntura atual do Brasil, as mulheres enfrentam diversos obstáculos para que seu trabalho de cuidado seja reconhecido, repercutindo em sérias consequências em suas vidas, como a falta de visibilidade.
Nesse contexto, essa problemática se manifesta devido à omissão governamental e à influência midiática.
Em primeiro plano, é crucial observar a negligência do Estado em relação aos desafios diários enfrentados pelas mulheres que atuam como cuidadoras. Conforme John Locke, ‘as leis existem para os homens, não para as leis’.
No entanto, a falta de investimento em políticas públicas por parte do governo gera dificuldades na esfera profissional desse grupo, incluindo a desvalorização salarial.
Isso contribui para a crescente negligência de suas necessidades. Além disso, a influência das mídias digitais é um fator agravante para a problemática. Segundo Chimamanda Adichie, mudar o ‘status quo’ – a situação atual das coisas – é sempre um processo doloroso.
Essa realidade é evidente no papel desempenhado pela mídia na luta diária das mulheres que exercem o trabalho doméstico ou de cuidado, uma vez que reforça uma mentalidade machista na sociedade. Isso resulta no silenciamento das mulheres, enraizando a lógica patriarcal na sociedade.
Dessa forma, as mulheres perdem voz na busca por seus direitos profissionais na área de cuidado, ao ser divulgada a ideia de que essa tarefa é única e exclusivamente sua obrigação. Portanto, é crucial dissipar essa situação.
Para isso, o governo, entidade responsável por zelar pela condição e existência de todos os cidadãos, deve fornecer apoio psicológico e financeiro às cuidadoras, através de investimentos e aplicação das leis, a fim de eliminar a vulnerabilidade socioeconômica existente na rotina desses grupos.
Paralelamente, as mídias de comunicação devem combater a mentalidade de inferioridade e o pensamento machista associados a esse trabalho.
Dessa forma, será possível abordar e resolver essa questão, tirando-a do cenário de invisibilidade, conforme propõe Djamila.
✏️Amanda Teixeira, de Muqui (ES)
Na obra intitulada ‘Brasil, País do Futuro’, de Stefan Zweig, o autor austríaco, em sua visita ao Brasil, defendeu a ideia de que o país teria um papel proeminente no mundo. Contudo, após 80 anos, as previsões do autor não se concretizaram e os desafios para enfrentar a invisibilidade do trabalho de cuidado – realizado por mulheres – são obstáculos a esse desenvolvimento.
Portanto, percebe-se que a negligência governamental e a permanência de padrões históricos dificultam a resolução dessa questão.
Sob essa perspectiva, é crucial destacar a inércia estatal presente nessa problemática. De acordo com Thomas Hobbes, o Estado é responsável por assegurar o bem-estar da população.
No entanto, isso não tem sido verificado no Brasil, visto que a falta de ação das autoridades dificulta o avanço do trabalho de cuidado não remunerado e mal remunerado realizado, sobretudo, por mulheres – que envolve o cuidado de crianças e idosos, assim como tarefas domésticas -, uma vez que o governo não tem cumprido seu papel de garantir os direitos básicos desse grupo social, como o direito a uma remuneração justa.
<pAssim, as responsabilidades sociais e estatais não são cumpridas, agravando o problema. Além disso, a permanência histórica do machismo é um fator relevante para a compreensão desse impasse. De acordo com Claude Lévi-Strauss, somente é possível entender adequadamente as ações coletivas por meio da análise dos eventos históricos.
Dessa maneira, a questão da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado por mulheres, em sua maioria pobres e vítimas de discriminação de gênero, apesar de for
Fonte: © G1 – Globo Mundo